Todos nós temos um buraco na alma. Uma permanente sensação de incompletude. Uma lacuna que nos acompanha para sempre, provocando aquela sensação inexplicável de satisfação temporária com as coisas da vida. Temporária porque queremos sempre mais, um novo passo após cada conquista, em busca de algo melhor.
Este buraco na alma é protagonista de uma de nossas tensões mais estruturantes, porque ora nos excita e mobiliza, ora nos deprime e desespera.
Em diversos momentos da vida, sofremos uma angústia aguda pela sensação louca de que vamos despencar buraco adentro, numa crise de medo de sermos engolidos por aquela falta, por aquela pergunta sem resposta, por aquela mudança que não acontece. Por isso, também, este vazio de difícil compreensão é responsável por vícios dos mais diversos, alguns bem conhecidos como o alcoolismo, outros mais camuflados como o consumismo desenfreado e o sexo insaciável. Quando caímos nestes vícios em busca de uma pá de terra para tentar tapar esse buraco, permanecemos aprisionados nestas cortinas de fumaça porque, novamente, o buraco vai continuar ali nos acompanhando.
Não adianta ter raiva, mas sim consciência, procurando acolher essa humanidade que também nos define. Adianta também ter clareza do lado luminoso dessa lacuna.
É esse buraco que permite o encontro, a abertura para receber uma companheira em nossas vidas. Na paixão e no amor, a lacuna nos dá uma trégua ao nos inspirar a maravilhosa experiência de nos sentirmos um só em dois. Cada beijo sincero na boca nos torna mais relevantes, eleva o nosso espírito e despeja felicidade nos nossos corações. No sexo amoroso, a troca da energia criadora da vida nos faz nascer de novo em cada orgasmo, num misto de alívio e, ao mesmo tempo, vontade de mudar o mundo.
É esse buraco que nos impulsiona o desejo de concebermos filhos para expandirmos o seio familiar. Quando minhas filhas sorriem para mim e me abraçam, o buraco da minha alma desaparece como num passe de mágica, numa plenitude magnífica que carrega de sentido a minha alma.
É da falta que nasce a inovação, porque sem aquele buraco não há senso de urgência para mobilizar nossos sentidos e nossa inteligência para encontrar uma saída, uma alternativa que pode descortinar um mar de oportunidades.
É desse buraco na alma que brota nossa vontade de ler, estudar e se superar. A consciência de que pouco sabemos e que ainda temos muito a descobrir é o que nos estimula a virar cada página de um bom livro.
O maior perigo de todos que nosso buraco pode causar é não percebermos e não reconhecermos o valor daquilo que já conquistamos, e das pessoas que, de verdade, temos do nosso lado e em quem podemos confiar. O desejo de mudar constantemente para melhor pode nublar a visão dos tesouros que já temos em nossas vidas, para cair no erro de achar a grama do vizinho mais verde.
Fico triste, por exemplo, quando ouço amigos queridos se referirem ao casamento de alguém com inveja, ao dizerem “ele sim se deu bem” (por fatores exteriores, como beleza física ou posição sócio-econômica), como se eles próprios tivessem se dado mal na vida, apesar das mulheres maravilhosas que os amam, e que estão bem ali, diante do seu nariz.
Ao cair na armadilha de achar que tem algo melhor em outro lugar, praticamos o pecado capital do desvalor, ignoramos pessoas maravilhosas batendo à nossa porta e perdemos algumas delas, às quais a vida tanto trabalhou para nos unir.
O desvalor age de maneira implacável, como um vírus letal que destrói corações, fecha portas e sepulta relacionamentos poderosos. Que Deus aprimore, a cada dia, nosso discernimento para conseguirmos perceber as pessoas e oportunidades maravilhosas que devemos agarrar com unhas e dentes, e deixar passar aquelas que não vão fazer a diferença em nossas vidas.
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