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Foto do escritorFernando Luzio

Frente e Verso de Amar


Imagem: foto do meu violão, tirada por mim mesmo...

Com o passar dos anos, desaprendemos a amar. E talvez seja este um dos paradoxos mais intrigantes (e danosos) da vida.


A cada aniversário vamos nos tornando melhores, mais maduros, mais experientes – o lado bom de ficarmos mais velhos. Adicionamos, gradativamente, novas referências ao repertório que nos permite interpretar melhor os fatos da vida, e enfrentar com maior segurança e resiliência as situações adversas desse mundo contemporâneo tão frenético e complexo. Com a maturidade, temos tudo para sermos mais felizes no amor. Ganhamos equilíbrio, olhar apurado e intuição afiada para perceber aquilo que não é dito no cotidiano e na intimidade amorosa. Controlamos melhor nosso medo de rejeição e reduzimos a ansiedade que gera cobranças pesadas sobre o outro. Agregamos novos gestos de tradução da paixão nos rituais da vida a dois. Ficamos excitados com a conexão emocional e a química sexual, mais do que com a beleza e integridade do corpo feminino, que também envelhece. Apuramos a arte de beijar, de tocar e proporcionar prazer ao outro – e a nós mesmos.


Por outro lado, vamos acumulando cicatrizes, traumas e experiências dolorosas que nos acompanham para sempre, ofuscando as pérolas que encontramos no caminho. Embrutecemos a pureza do sentimento e enfraquecemos a intensidade do amor romântico. Abandonamos a poesia, ainda que desajeitada, que costumávamos escrever tão espontaneamente nas primeiras experiências de amar. Poluímos o relacionamento presente com dores das feridas mal cauterizadas das desilusões amorosas, das decepções marcantes e dos abandonos que todos nós um dia sofremos. Vamos soterrando no coração tranqueiras das mais variadas, que muitas vezes nem nos pertencem, como as frustrações ou os erros cometidos pelos nossos pais e por pessoas relevantes para nós. Esses destroços vão nos ancorando nos infortúnios do passado que, com o tempo, cristalizamos em dogmas que nos aprisionam em falsas verdades. Fazemos generalizações perigosas sobre o comportamento humano, e criamos definições inconsequentes, mas bem elaboradas, que agem de maneira perversa numa frequente autossabotagem.


Exemplo bastante comum disso é a pessoa que carrega uma marca profunda de traição entre os pais ou vivida numa grande paixão do passado, e passa o resto da vida tentando provar que todos são canalhas (até que se prove o contrário) e não merecem confiança. A autossabotagem opera de forma subterrânea, levando a pessoa a contaminar uma relação verdadeiramente saudável com acusações virulentas de conduta imprópria que, na verdade, são a mais perversa expressão dos seus próprios fantasmas, que se manifestam nas suas percepções distorcidas da realidade.


Por isso, não temos como escapar de tratar nossa alma machucada para descobrir a lógica das nossas emoções, pelo meio da terapia que for, e remover, aos poucos, a toxidade produzida nas relações do passado que transportamos no tempo e descarregamos no outro, que não tem nada a ver com aquilo tudo. É impossível curar as fraturas do passado da noite para o dia, por isso temos de trabalhar constantemente para exorcizar essas tranqueiras fossilizadas e experimentar amores mais maduros.


Temos de nos esforçar para reprogramar nossas crenças e produzir lentes novas para enxergar a oportunidade de encontrar e viver o amor. Acredito que alguns pensamentos e atitudes podem fazer a diferença para recuperar nossa capacidade de amar – quem sabe, também possa lhe ser útil de alguma forma:


Em primeiro lugar, sempre há tempo para começar de novo. Somos perfeitamente capazes de fazermos uso dos aprendizados de experiências anteriores para construirmos relações mais equilibradas. Mas para isso, temos de demitir da nossa vida os impostores do fracasso, aqueles casos frustrados que transformamos em mitos para afugentar qualquer nova possibilidade de amar novamente. Não é porque não deu certo antes, que vai dar tudo errado de novo. Por definição, estamos nesta vida para sermos felizes, um direito (e um dever) que nos foi concedido ao nascer.


Temos de ter em mente que não existe encontro completo. Não existe príncipe encantado. Se procurarmos bem, vamos encontrar seus defeitos e sombras. Idem, é claro, até mesmo para as mulheres mais deslumbrantes. Simples assim. Por causa desta incompletude também, uma parte de nós viverá sempre na solidão, um reflexo inevitável da nossa condição humana. Por isso temos de ter clareza daquilo que para nós é tão fundamental no outro, os valores e atitudes não negociáveis. E aprendermos a relevar os defeitos ou manias que, cá pra nós, não são nenhum pouco relevantes.


Escolher um(a) companheiro(a) não deve ser um processo de recrutamento e seleção baseado em competências e aparências. Acima de tudo, temos de respeitar e seguir a nossa majestade: a intuição – nossa voz mais íntima que brota do centro do peito, da nossa alma, e que sinaliza se aquele é o encontro que estávamos à procura. Quando nos falta equilíbrio emocional, perdemos a habilidade de enxergar os sinais. E quando damos muitos ouvidos às opiniões alheias, ficamos ainda mais confusos. O erro estratégico mais perigoso a cometer é escolher a partir da opinião dos pais, familiares ou amigos. Não adianta viver a vida dos outros, porque na hora de ir para a cama (sozinho ou não), é você quem vai ter de encarar e se entregar para as suas escolhas. Muitas vezes, as pessoas também fazem escolhas influenciadas pelo desejo de ter segurança na vida, status, prestar satisfações sociais, medo da solidão e do desamparo. Sofrimentos pessoais também fazem com que a gente se una a alguém. Em nome do desejo e da necessidade de ter alguém do nosso lado, pintamos o outro de cor de rosa e corremos o risco de colocar qualquer pessoa nesse lugar, alguém com quem possamos dividir a vida. Mais uma vez, tratar de si mesmo é importante para ganhar o equilíbrio que nos é absolutamente necessário para enxergar os sinais, ouvir a intuição, conquistar e construir relações mais saudáveis.


Temos de nos abrir para o encontro, para a realidade do outro e enxergá-la como ela é do ponto de vista dele (empatia). Descobrir suas dores e temores, fontes de alegria e significados motivadores, sonhos e desejos. Aprender quais são as atitudes que fazem a mulher se sentir amada. Caso contrário, você não vai conseguir transformar aquele misto de virtudes e tranqueiras – e vai se manter preso no passado.


E, desde o início, sejamos românticos. Sejamos cavalheiros e vamos tratar as mulheres com gentileza. Vamos transformar as situações mais simples e despretensiosas no prazer de conviver, percebendo a beleza que também mora no cotidiano da vida a dois. A vida é frágil, portanto pode ser curta. Vamos aproveitar as oportunidades que cada momento nos traz, hoje, ao lado de quem a nossa alma cuidadosamente escolheu.

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