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Nossa Obsessão pela Falta

Foto do escritor: Fernando LuzioFernando Luzio

Imagem: temos o vício de se importar demais com a parte vazia do copo, mesmo quando está quase cheio...

Parte intrínseca do desejo de mudar e da energia criadora para a inovação brota do nosso permanente desconforto com aquilo que nos falta, em todos os planos da vida. A vontade de cobrir nossas lacunas nos impulsiona para o mundo, mobilizando a superação dos limites que trabalhamos para vencer todos os dias. Portanto, nossa sensação frustrante de incompletude, que nunca vai nos deixar em paz, é essencial para a nossa evolução.


Ao mesmo tempo, um dos hábitos mais humanos e nocivos ao nosso bem estar é a tendência obstinada que temos de reclamar do quarto de copo vazio – ao invés de olhar as três partes tão positivamente cheias. Do desejo virtuoso do progresso constante, partimos para a prática de um desserviço à nós mesmos (e a todos que nos cercam) em diversos temas do cotidiano.


Criticamos um deslize da nossa companheira com uma gravidade que despreza todos os acertos que nos encantam e nutrem nossa paixão por ela. Fazemos tempestades em copos d’água na vida a dois que nos distanciam um do outro a cada dia, ao invés de proteger o vínculo que nos é tão precioso e necessário.


Reclamamos dos nossos pais com tanta frequência, tecendo caricaturas severas dos seus defeitos e exigindo mais do que podem oferecer, com desprezo pela precariedade humana que também existe neles e os impede de serem melhores. Preferimos deixar de conviver do que aprender a lidar com as diferenças e aproveitar o que de melhor eles sempre têm para compartilhar.


Criticamos nosso líder pelos corredores, reclamando das atitudes que deixou de tomar, pelas fraquezas irritantes ou pelas manias que afetam seu estilo de gestão, numa clara demanda por uma perfeição que nenhum de nós será capaz de atingir se viermos a ocupar o lugar dele. Deixamos de aproveitar para aprender com os talentos que certamente o projetaram para aquela posição – obviamente que não me refiro aos idiotas que por favoritismo ou esperteza chegaram lá.


Essa mania de reclamar e criticar o tempo inteiro está se tornando uma doença crônica, que tem assolado os diversos palcos da vida, desde os raros momentos de encontro amoroso até conteúdos vazios das redes sociais. Se é que tem cabimento perguntar, o que será que aconteceria se conseguíssemos passar pelo menos um dia e uma noite, seguidos, sem focalizar na parte vazia dos copos da vida. Passar um dia procurando reconhecer a beleza em alguma cena; elogiando algo que nos encanta na companheira, na família, nos filhos, no líder e naquilo que conquistamos na vida.


Temos de dar esse exemplo para nossos filhos nos momentos mais singelos do cotidiano, para que não se tornem pessoas pessimistas no futuro. Temos de reconhecer e celebrar suas conquistas, inclusive as aparentemente pequenas, que vão assentar tijolos essenciais para a construção da autoestima – aquela sensação de liberdade que transformará passos de uma criança em pegadas de gigante na vida adulta.


Vou continuar sentindo prazer quando perder algumas horas de sono em busca de um insight valioso, que pode cobrir uma lacuna importante que me aflige. Mas quero treinar para controlar minha obsessão pela falta, e viver mais feliz.

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