top of page
Foto do escritorFernando Luzio

Não Deixe o Barulho do Mundo te Distrair


Tim Cook em entrevista para a Fast Company (Imagem: Ioulex)

Nos nossos workshops de consultoria, abrimos as sessões de reflexão estratégica com nossos clientes alertando suas lideranças sobre a importância de fazerem não escolhas. Uma boa Estratégia esclarece os vetores prioritários de vitalização da singularidade da empresa e as rotas de crescimento que todos devem adotar como foco. Ao mesmo tempo, devem ser ressaltadas as renúncias que não poderão tomar tempo de gestores até segunda ordem — caso contrário, a execução será sofrível ao aprisionar a empresa na armadilha da complexidade predatória. No âmbito organizacional, como sempre imperfeito e de recursos limitados, condutas do tipo "metralhadora giratória" normalmente levam a finais infelizes. O desperdício de recursos ao atirar para todos os lados provoca perdas financeiras irreparáveis, derruba o moral de gestores pelo gosto amargo do fracasso e — talvez o pior — pode direcionar a empresa para trajetórias equivocadas e, por vezes, difíceis de serem revertidas. Ainda que o espírito empreendedor da pivotagem em algum momento possa ajudar a encontrar o caminho certo, o tempo perdido é irrecuperável e a concorrência pode avançar, conquistando territórios que eram — ou poderiam ser — seus. Por outro lado, eu sei o quanto é difícil tapar os ouvidos às diversas vozes que ficam gritando para desviar nossa atenção:


“Será que não devemos ir por ali também?”.


“Será que não deveríamos apostar nesse outro produto também?”.


“Nossos concorrentes estão realizando atividades e oferecendo práticas que não estamos incorporando na nossa oferta”.


“E se estivermos fazendo as renúncias erradas, pela impossibilidade evidente que todos possuímos de prever o futuro?”. Diversas são as abordagens metodológicas que empregamos para evitar a tentação de eleger oportunidades de fato não tão significativas como aparentam, e para abastecer executivos e executivas de coragem para preservar o foco estratégico escolhido. No entanto, temos aprendido também que nada substitui o papel absolutamente imprescindível de um(a) bom CEO ou Presidente Executivo. É ele/ela quem, em última análise, assume a responsabilidade final pela decisão de quais avenidas de desenvolvimento e crescimento serão escolhidas e defendidas perante Acionistas e Investidores. Um CEO inseguro, seja pelo perfil de decisão excessivamente colegiada e sendo bombardeado por opiniões múltiplas de sua equipe; seja pela intuição enferrujada ou transtornada; ou pela falta de evidências significativas, pode escolher pecar pela abundância de caminhos e iniciativas. O temor de ser questionado no futuro — por ter sido “pouco agressivo” ou “conservador” — também pode favorecer a proliferação de projetos de expansão e crescimento. Tim Cook, que tem se mantido na presidência executiva da Apple desde a partida de Steve Jobs, frequentemente é questionado e até mesmo criticado pela opinião pública quanto à aparente baixa frequência de inovações tecnológicas disruptivas. Vive sendo inferiorizado em relação ao espírito inquieto e agressivo de seu mentor. No entanto, em entrevista para a revista norte-americana Fast Company, em fevereiro de 2018, Tim Cook ilustrou muito bem o desafio de se fazer poucas boas escolhas e manter a disciplina do foco: “Existe mais barulho no mundo do que mudança relevante. Um dos meus papéis é tentar bloquear o barulho sobre as pessoas que estão trabalhando aqui. Isso é muito mais duro ainda nesse ambiente. Prioridades significam dizer ‘não’ para um monte de grandes ideias. Nós seríamos capazes de fazer muito mais coisas em relação às que costumávamos fazer porque estamos bem maiores. Ao comparar nossos projetos versus nossa receita, na opinião de qualquer pessoa, estamos fazendo muito pouca coisa. Por isso, você deve ter certeza de que está focado na coisa que mais importa. E nós fazemos isso muito bem”. Imagine para uma Apple, nesse mesmo ano de 2018 avaliada em 900 bilhões de dólares americanos e com tantos outros bilhares de dólares em caixa, como é difícil dizer “não” para investidores e analistas de mercado que acham que a empresa deveria usar essa fortuna para lançar vários produtos novos no mercado.

Cena do lançamento do HomePod da Apple (Imagem: David Paul Morris / Bloomberg)

Vou usar o HomePod de exemplo, a caixa de som inteligente da Apple, que ficou muito mais tempo no forno que seus concorrentes. O smart speaker chegou ao mercado bem depois de outros como Google Home e o Amazon Echo. A opinião pública, mais uma vez, acusou a Apple de ter se tornado uma seguidora, e não mais líder em inovação, como era sob o comando de Jobs. Agora, vamos olhar a Estratégia do HomePod do ponto de vista da Apple. A empresa inovou na tecnologia da caixa de som para proporcionar uma riqueza sonora sem precedentes, que valoriza e respeita o trabalho árduo dos músicos, quando criam suas melodias cheias de sutilezas e que nos speakers, em geral, as notas mais sublimes passam despercebidas. Essa é a singularidade do HomePod, que levou mais tempo para ser criado. Todas as outras funções do equipamento, como a interação por reconhecimento de voz para execução de tarefas e comandos, e o acionamento remoto de equipamentos domésticos (desde luzes até eletroeletrônicos), não são diferenciais competitivos porque já se tornaram padrão de mercado há muito tempo. Imagine a enxurrada de insinuações dos analistas de tecnologia e dos investidores sobre os designers e engenheiros da Apple: “Vocês estão ficando para trás, mais uma vez a concorrência saiu na frente”; “Depois que o Steve Jobs se foi, a Apple se perdeu e nunca mais foi a mesma”.


Ao invés de se preocupar com a opinião do mundo, a Apple se manteve fiel ao seu propósito maior de desenvolver produtos que realmente melhorem as experiências de vida das pessoas. Centrada no seu valor “humanidade” (humanity), em que coloca o usuário no centro de sua Estratégia, a Apple escolheu prosseguir no desenvolvimento do sistema de som perfeito. As pesadas pressões sobre as empresas têm mantido inúmeros gestores acordados à noite... oscilações na atividade econômica, provocando derrubadas frequentes nas receitas; a concorrência partindo para a guerra de preços ou para a digitalização da cadeia de valor, ambos corroendo as margens nos negócios tradicionais; a obsessão dos investidores capitalistas não conscientes por ganhos financeiros de curto prazo; e o medo de fazer não escolhas erradas; dentre outros fatores.


Afoitos para manter a relevância no mercado ou até mesmo para garantir sua sobrevivência, muitos desses executivos realizam mudanças frequentes nas estratégias, ampliando a oferta de produtos e serviços, procurando diversificar canais e modelos de precificação, para citar algumas das manobras mais comuns. Construir novos modelos de negócios para fortalecer a singularidade da empresa e ativar novos motores de receitas é, sem dúvida, um procedimento elementar da boa Gestão Estratégica. Mas, as mudanças frenéticas e indiscriminadas, acreditando que por si só vão melhorar o padrão atual de desempenho, podem tornar a empresa ainda mais vulnerável. Outro comportamento comum é realizar mudanças frequentes na declaração de Propósito Maior (ou Missão), como se este fosse um slogan marqueteiro capaz de, com uma boa campanha de comunicação, atrair as pessoas e aumentar as vendas. Empresas como a Apple têm oferecido uma demonstração oposta a essa conduta. Na era da incerteza ampliada, do efêmero e das novidades permanentes, parece difícil e arriscado apostar em convicções duradouras — e muito menos lutar por boas utopias. Ainda assim, acredito que consistência de Propósito e das Estratégias para cumprir essa finalidade essencial com singularidade são características comuns às empresas (e pessoas) de sucesso perene. Faça as mudanças necessárias, mas com respaldo de um profundo trabalho prévio de empatia com seus consumidores ou clientes, utilizando dados confiáveis para tomar melhores decisões e, se necessário, apoiado por um outsider que possa ajudar a estruturar melhor seu pensamento. Somente assim você vai proteger sua empresa dos barulhos estridentes do mundo.

Comments


bottom of page